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Moeda Única para o Mercosul? Parte 02

Atualizado: 23 de fev. de 2023

Na primeira parte do artigo, desenvolvi uma explanação básica sobre a viabilidade da moeda única para o Mercosul em conversa mantida no Twitter com a analista Heloísa Cruz (@helocruz). E desenvolvi mais a argumentação conforme ela me pediu:



Créditos: Heloísa Cruz (@helocruz no Twitter). Em 03/01/2023.


A teoria econômica diz que as economias precisam ter uma forte integração para comportar uma moeda única. O Brasil e os EUA são países gigantes com diversas economias diferentes (estados) que possuem uma mesma moeda. Por que funciona? As economias são integradas em termos de produção e são integradas em termos fiscais. As regiões podem se ajudar em casos de desequilíbrio. Há movimentação de pessoas e de capitais conforme a dinâmica econômica. Entre países diferentes, as coisas não são tão fáceis, pois existem barreiras diversas como fronteiras, leis diferentes e, até mesmo, idiomas distintos.


Esse foi o caso da Argentina adotando o dólar na década de 1990. Adoção unilateral. O FED – Federal Reserve Bank (Banco Central dos Estados Unidos) não foi consultado. O Banco Central (BC) argentino nunca teve voz no FOMC (Federal Open Market Commitee – Comitê Federal de Mercado Aberto), o equivalente norte-americano do COPOM (Comitê de Política Monetária) brasileiro.


A Argentina perdeu a seigniorage (senhoriagem), o ganho que um Estado obtém por ser um emissor de moeda, sem obter nenhuma compensação. Os ganhos da senhoriagem advêm do fato de o dinheiro impresso (papel-moeda) pagar dívidas de valores muito maiores que o custo de produção destas cédulas. O FED e o FOMC nunca se importaram se uma decisão tomada por eles no âmbito da economia americana prejudicaria os “hermanos”. Na realidade do ano 2000, prejudicou. A Argentina precisava de liquidez. Os EUA precisavam contrair. A decisão foi de contrair, o dólar se fortaleceu no mercado mundial, com isso os produtos argentinos ficaram sem competitividade, por caros, e a Argentina foi para o buraco. Na época, representantes do governo americano falaram que os EUA nunca foram consultados para apoiar a adoção do dólar na Argentina, então, eles não se responsabilizavam pelas consequências.


No Mercosul, a integração de capitais não é grande coisa. A integração de mercadorias, um queijo suíço, cheia de furos e exceções. Basta lembrar automóveis e açúcar. Na Europa, a livre circulação de pessoas existe (Espaço Schengen), de capitais também. A integração produtiva é enorme. O comércio intrabloco é extremamente significativo para todos os países do bloco. Nos países do Mercosul o comércio interno é importante, mas significativamente menos relevante comparativamente aos países europeus. E foi perdendo relevância ao longo das diversas crises econômicas na região, visto que os países respondiam aos efeitos das crises com medidas protecionistas que atravancavam o comércio interno, principalmente a Argentina.

Então, uma moeda única para o Mercosul requereria: 1. Integração produtiva dos países para que a roda econômica de cada deles um gire de maneira síncrona aos demais. 2. Livre circulação de capitais e trabalho de maneira efetiva, e não simbólica, como hoje. Unificação do mercado de trabalho.

3. Livre circulação de mercadorias: as mercadorias produzidas intra-Mercosul não podem sofrer nenhum tipo de embargo ou exceção. A TEC (tarifa externa comum), hoje cheia de divergências e exceções, teria que ser efetiva e igual para todos. Depois que esse edifício estiver de pé por uns vinte anos, os Bancos Centrais poderiam discutir a moeda comum. E vai ter briga: os países muito pequenos, Paraguai e Uruguai vão brigar porque Brasil e Argentina decidiriam tudo sozinhos pela diferença de tamanho das economias. Há outro problema, a Venezuela, apesar de suspensa, faz parte do bloco. Como se integra quatro economias de mercado (apesar dos muitos problemas, ainda são economias de mercado) com uma nação em frangalhos, totalmente dependente da indústria do petróleo e dirigida pelo Estado (socialismo do século XXI de Chávez e Maduro)?


Por que o Brasil não pode simplesmente adotar o dólar? Por conta do tamanho da economia (somos pequenos em relação ao mundo, mas temos um bom tamanho, estamos sempre entre as maiores economias mundiais, variando a posição de 6ª até 12ª, conforme a cotação do dólar no ano em questão. Não somos Panamá ou Equador, economias muito pequenas). Como a economia brasileira e a americana não são sincronizadas, e sem apoio americano, a adoção do dólar seria um currency board ou caixa de conversão. Teríamos que criar nossas próprias moedas de dólar para o troco (como o Equador) que só valeriam aqui e teríamos de pôr para circular o papel moeda (notas) que obtivermos com exportação. Portanto, teríamos um problema sério de suprimento de notas e moedas em espécie para a economia. É totalmente diferente de um país que entra no Euro.


Quando um país assume o euro, ele entra na rede de emissão do BCE que cuida das necessidades monetárias daquela economia que produzirá as suas próprias moedas que valem em toda zona do euro.

Porém, não tem integração fiscal. É isso que os líderes europeus tiveram de contornar quando a Grécia quebrou. A solidariedade fiscal foi gerada a fórceps, com grande horror da Alemanha e dos alemães. Eles tentam caminhar para uma federação europeia para sanar essa fraqueza do euro.



Créditos: Heloísa Cruz (@helocruz - Twitter). Em 03/01/2023.


Se os dirigentes econômicos dos países do Mercosul forçarem a barra…vai ser um estouro! Qual será a âncora da moeda? Cambial, dólar, como foi no começo do Real? Fiscal, como foi a partir do Arminio Fraga, presidente do BACEN (1999 a 2003) com as metas de inflação? Alguém do mercado vai acreditar nesse povo, considerando todo o contexto de invalidação do teto de gastos e de equilíbrio fiscal? Quando a economia do Brasil for para um lado e a economia da Argentina for para outro, o BC unificado vai acudir quem? Uma adoção do real (BRL), pelos demais países, seria menos problemática para nós, pois seria a nossa economia quem ditaria o processo de unificação. Mas isso é demais para o orgulho de um argentino, pois seria uma anexação econômica.


Para os demais países, o efeito seria similar a adoção do dólar, com duas diferenças: possivelmente, o Brasil permitiria que eles imprimissem reais e cunhassem moedas em seus territórios com alguma coordenação do BC ou a impressão/cunhagem se faria na Casa da Moeda do Brasil sob a demanda dos BCs destes países incorporados. Provavelmente o Brasil permitiria que representantes dos BCs dos países vizinhos tivessem assento no COPOM, então seria algo mais suave do que seria um processo de dolarização em que jamais os presidentes dos BCs latinos teriam assento no FOMC, pois a participação deles nas reuniões do COPOM faria com que os resultados econômicos daquelas economias fossem considerados.


Meus agradecimentos à Heloísa Cruz que pela nossa conversa, acabou me levando a produzir esse texto e o anterior.

A você, leitor, a quem este artigo chegou, espero que as informações tenham sido úteis. Qualquer dúvida ou comentário, entre em contato! Obrigado!



Prof. Dr. Drauzio Antonio Rezende Junior


IMPORTANTE - SERVIÇO


Atualização do post em 23/02/2023, às 22h29.


Estou disponibilizando uma cópia digital da minha monografia apresentada na conclusão de meu curso de graduação em Economia, em dezembro de 2000, que tratou justamente de estudar a viabilidade de uma hipotética unificação monetária: "Evolução do Padrão Monetário Brasileiro Frente à Unificação dos Mercados". O original está depositado na Biblioteca do Departamento de Gestão e Negócios da Universidade de Taubaté. Para aqueles que quiserem ir direto para as análises, sugere-se a leitura dos capítulos 6 e 7.




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